terça-feira, 2 de março de 2010

Diário de Sobrevivência

As lutas que travo hoje não são com os que passaram, mas com os que estão agora passando por minha vida.

Há muita incompreensão no mundo e aqui em Salvador não é diferente. Há uma guerra não falada, mas que todos sentem. Uma guerra territorial - se você sai do seu bairro as coisas mudam bastante e dependendo do bairro onde você mora, se você fala onde mora as pessoas te tratam de maneira diferente aqui em Salvador. Uma guerra social - isso não é novidade para ninguém. Todo o Brasil sabe que em Salvador existe uma desigualdade social muito grande. E para as pessoas sensíveis como eu e tantas outras por aqui, conviver com essa dura realidade não é nada fácil. A miséria está estampada pelas ruas. Nos pedidos de esmola, nas pequenas trapaças do dia a dia. Eu sinto muito por todos os que sofrem, mas agora estou também do outro lado. Pois as esmolas são pedidas a mim, as pequenas trapaças são feitas contra mim. São pequenas mentiras, pequenos golpes, estratégias de sobrevivência nem sempre lícitas ou éticas. E isso me coloca numa posição muito difícil. Eu sei porque as pessoas se comportam assim e sei que a "culpa" maior não é delas e sim desse sistema em que vivemos que nos coloca uns contra os outros. Mas mesmo assim não posso deixar que abusem de mim. Eu também estou sobrevivendo aqui em Salvador, sem casa, sem endereço fixo, sem uma rede de amigos, sem um trabalho fixo, sem nada realmente concreto que diga que eu resido em Salvador, que estou aqui para fazer a minha vida, ajudar a cidade com tudo que posso oferecer e realizar meus sonhos de curtir a arte, a ciência, a vida cultural dessa cidade e a energia dessa natureza e dessa fé do povo. Pois eu também sou como eles. Também sou uma batalhadora. Para eles é quase que impossível conceber como uma pessoa branca que teve "tudo" como educação e o que comer, etc. possa se considerar uma vítima. E eu também não tenho estrutura emocional - sou muito sensível e falar das coisas ruins que me aconteceram me deixa triste. Se começo a falar a voz falha, as lágrimas vêm. Me sinto exposta. Não posso falar de assuntos tão íntimos com qualquer pessoa. E a vida aqui é comunitária. As pessoas falam alto, são abertas, estão sempre em contato uns com os outros. E eu ainda não arranjei um jeito polido de dizer que determinadas informações sobre mim eu não posso compartilhar. Mas eu não vou desistir de estar aqui.
Talvez seja bobagem minha querer estar num lugar para chamar de meu.

Mas é assim que eu me sinto. E foi por isso que vim. Ninguém tem o direito de me tirar isso.

Todos que estiverem contra mim estarão contra o fluxo do mundo. E a justiça virá, cedo ou tarde.

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